sexta-feira, 27 de julho de 2012

NUNCA TE DIREI ADEUS – Obra Completa

 

 

I - “A Perda e o Consolo”

Era sexta-feira, três de Outubro de 2000 e o nevoeiro cobria toda a freguesia de Mansores. Do longe ouviam-se os pássaros a cantar e os cães a latir. A freguesia era maravilhosa, bela e deslumbrante. Lá no alto, mesmo no centro havia uma grande praça que servia de passagem para uma enorme capela, revestida de pedra, e tinha aparência de ser muito antiga. Do seu lado esquerdo, existia um enorme e assustador cemitério, cheio de sepulturas antigas e velhas. Quando o sino começou a bater as badaladas das dez horas da manhã, não parou de tocar depois de bater as badaladas das horas. Alguém teria morrido, eram os sinais fúnebres, mas pelo toque não foi apenas uma pessoa a abandonar a freguesia.

Do longe da praça, avistavam-se três manchas vermelhas a subir a estrada. Os três homens que vestiam capas vermelhas levavam nas suas mãos uma cruz. Por detrás seguiam-se duas carrinhas que andavam a par uma com a outra e a par. Ambas eram de vidro, como a montra de uma loja, e estavam recheadas de flores, onde se via apenas uma grande caixa de madeira em cada carrinha por baixo de todas essas flores. António Brás e a sua esposa Maria Brás abandonaram tudo e todos e foram ao encontro de uma luz. As lágrimas das pessoas que seguiam as carrinhas eram intensas, tal como a água que começava agora a cair de entre o nevoeiro. O filho das vítimas, Afonso Brás estava na primeira fila com a sua mulher Beatriz Pacheco e a sua filha Leonor Brás Pacheco. Do canto do olho de Afonso não escorria uma lágrima, já a sua mulher e a sua filha tinham mergulhado num mar de lágrimas. Leonor é uma rapariga de nove anos, os seus cabelos são castanhos e grisalhos, tinha olhos azuis e tinha cerca de um metro e cinquenta e cinco centímetros. A pessoa mais afectada no meio de tudo isto foi Leonor, pois sentiu-se culpada pela morte doa avós. Na primeira noite de Outubro, Leonor convidou toda a sua família para o seu aniversário à excepção dos seus avós paternos que não tinham telefone, e então ela teria de se deslocar a casa deles para os convidar. O maior defeito de Leonor era a timidez, e foi por essa razão que se recusou a ir a casa dos avós, pois era muito envergonhada e não queria ir sozinha.

- Já não tens idade para ir sozinha, não? – foram as palavras do seu pai.

Então Leonor decidiu não ir e esperar pela manhã para os convidar. Porém nessa mesma noite António e a sua mulher preparavam-se para ir a casa de Leonor, pois já sabiam que ela era envergonhada e não iria lá ir convida-los.

Quando iam já a 10 metros de casa, três indivíduos aparecem do escuro e obrigam-nos a darem-lhes tudo o que têm de valor. Maria deu o seu ouro e António o dinheiro que guardava na sua carteira. Quando este decidiu atacar um dos ladrões e lhe tirou a máscara, este vê-se obrigado a disparar sobre António e Maria para que não deixem pistas que os incriminassem.

Ao fim da cerimónia fúnebre todos se dirigiram para o cemitério. Ao ver os caixões abandonar a fraca luz do dia, os joelhos de Leonor assentavam no chão e os gritos de terror agora eram intensos.

-Porquê? Se eu não fosse estúpida nada disto vos teria acontecido, perdoem-me por favor…

-Chega filha, não aguento mais ver-te a sofrer assim, vamos embora não é bom estares aqui. Ao dirigir-se a casa, Leonor deixa-se cair no chão da praça, como se estivesse desmaiada. Beatriz ainda a tenta levantar, mas esta parecia decidida a ali ficar deitada. Toda a população que se situava ali naquela zona ouviria toda a mágoa que Leonor transmitia através do seu choro e dos seus berros que eram cada vez mais intensos. Uma vez que não conseguira fazer nada Beatriz voltou para junto do seu marido e deixou-a lá deitada, uma vez que não passavam carros naquela praça.

Quando o enterro acabou, Afonso e Beatriz foram a correr ter com Leonor, mas esta já não se encontrava lá deitada, mas sim sentada num pequeno banco situado do lado direito da capela.

-Vamos para casa Leonor já é tarde e estamos todos encharcados. – ao dizer estas palavras Beatriz levanta Leonor e os três vão para casa abrigados apenas por um guarda chuva que Afonso possuía. Quando chegaram a casa, atravessaram um estreito corredor, todo ele era preenchido com molduras que separavam umas portas das outras. Entraram na última porta, onde existia uma pequena sala, toda ela era antiquada e possuía apenas um velho sofá e uma televisão.

-Vamos Leonor anda mudar de roupa antes que constipes.

- Já vou mãe, mas posso ir dar um passeio? Já não está a chover.

- Mas primeiro vai mudar de roupa.

Depois de mudar de roupa Leonor saiu de casa e encontrou o Sr. José, o seu vizinho que com quem gostava muito de conversar.

Enquanto isso, a sua mãe estava agora na sala conversando com Afonso, pois precisavam de umas férias para acalmar a mágoa. Decidiram ir para o Gerês, pois tinham lá o seu amigo Paulo que lhes emprestara a casa, uma vez que este já não lá vivia.

Quando Beatriz vem ao jardim encontra mesmo na berma da estrada, Leonor a conversar com o Sr. José.

- Leonor, anda para casa filha está a começar a cair relâmpagos. Ela voltou e parecia mais aliviada e tranquila. Afonso contou a novidade a Leonor, e afirmou que iriam partir no próximo domingo.

No dia seguinte, Leonor decidiu ir convidar Carolina uma jovem de 11 anos que vivia ao fundo do lugar, para ir com ela. O imprevisto aconteceu e como sempre a mãe de Carolina não a deixou ir com Leonor.

- Não leves a mal Leonor, mas a minha mãe é sempre assim. – Carolina estava triste mas conseguiu disfarçar a sua mágoa perante a amiga.

Chegou o dia de partirem. Antes de sair de casa Afonso desfolhava as folhas do jornal, onde se falava apenas dos acontecimentos datados nesse dia.

- Acho que está tudo pronto…- Beatriz fechou a mala do carro e partiram.

A viagem foi longa, cansativa e triste, uma vez que o nevoeiro decidiu mais uma vez soprar por entre as montanhas. Quando chegaram ao local, todos se encantaram, uma vez que o nevoeiro já não predominava não impedia a visibilidade sobre a paisagem. A casa de Paulo situava-se mesmo em frente à enorme lagoa que ali existia, toda a casa era em pedra e parecia um palácio francês.

- Vou buscar a chave, o Paulo disse que a deixava ali no café, esperem aqui por mim.

Afonso foi buscar a chave, enquanto Leonor ficou com a sua mãe a observar a beleza e a magia daquele local.

Uma semana depois, a família parecia viver os dias mais felizes da sua vida. Leonor desde que chegara aquele local, que sentia-se perseguida por uma rapariga que parecia ter cerca de 15 anos.

Na quarta-feira da segunda semana, Leonor ganhou coragem e decidiu ir tem com a rapariga que os perseguia. Ao aproximar-se ela desatou a correr e ficou fora do alcance de Leonor. No dia seguinte, quando Afonso foi até ao café com a sua esposa e a sua filha, pediu a Leonor que fosse ao balcão pedir dois cafés. Ao aproximar-se do balcão notou, que numa mesa lá ao fundo da sala estava sentada essa misteriosa rapariga. Depois de pedir os cafés, levou-os aos pais e pediu-lhes para ali ficar um pouco, uma vez que também o café se situava perto da lagoa.

- Porque me segues? – perguntou Leonor à rapariga depois de os seus pais irem embora.

- Eu não te estava a seguir, e agora sai daqui que tenho muito que fazer. – a rapariga de cabelos pretos e lisos, de olhos escuros estava sentada a fazer algo no computador.

- Eu sou a Leonor. E tu quem és?

- Chamo-me Soraia, que queres de mim?

- Só estava a ser simpática…que estás a fazer? Posso ver?

Soraia encolheu os ombros, e Leonor sentou-se numa cadeira ao seu lado.

- Tenho conhecido muitos rapazes pela internet, marco encontros e quando chego ao local eles gozam-me por causa da minha aparência.

- Mas porque é que tens interesse em fazer amigos através de um computador? – perguntou Leonor.

- Eu nunca fui boa a criar laços de amizade, por isso acho isto muito interessante. Já agora…tens um perfil aqui nesta rede?

- Não, eu não tenho computador, a minha família não tem grandes possibilidades económicas e também nunca experimentei nada dessas coisas de conhecer amigos online.

- Eu já tenho este perfil desde 1998. O meu primeiro amigo que conheci, apaixonei-me pelas suas palavras, foi ele que me fez passar a maior humilhação que senti até hoje, mas é por ele que sinto um grande amor.

Com toda esta conversa, Leonor e Soraia ficaram amigas mas não puderam desfrutar muito dessa amizade uma vez que os momentos felizes no Gerês duraram por apenas só mais três dias. A família de Leonor partiu para a sua terra e consigo levaram memórias muito felizes.

II - “Nove anos depois, de novo férias”

Estávamos no dia um de Agosto de 2009, os raios de sol matinal entravam pelas janelas das casas, o ar quente entrava por debaixo das portas e por todo o lado se ouviam os pássaros a cantar. Leonor estava agora com um aspecto mais adulto, os dezasseis anos eram uma idade muito bonita, como dizia a sua mãe. A sua família parecia agora ter uma maior margem financeira, pois Leonor estava agora no seu próprio computador, que lhe fora oferecido no seu dia de aniversário.

- Leonor importas-te de me vires ajudar com o almoço?

- Já vou mãe.

Porem, desde as férias que passou no Gerês, nunca mais perdeu o contacto com a sua amiga que lá conhecera. O perfil online que Leonor teria criado com a sua amiga, não parecia ser o mesmo, estava agora cheio de novos amigos, também estes do outro canto do mundo. Depois de almoçar, voltou para o seu computador para falar com os seus novos amigos.

- Pareces estar viciada nisso, não o largas desde que o recebeste! Já me arrependi de o comprar… - as palavras da mãe fizeram com que ela muda-se de passatempo por essa tarde. Ir ter com Carolina era uma boa ideia, mas estavam chateadas, uma vez que Carolina foi trocada por Soraia, quando ela avisou Leonor que os caminhos por onde a sua amiga do Gerês a estava a levar eram maus.

- Leonor vai até ao cemitério com o teu pai levar uma vela aos teus avós.

- Não me apetece ir mãe…está muito calor! – Leonor parecia estar a ficar arrogante e agressiva desde que recebeu o seu computador. Será este o agradecimento dela aos pais, ela não era assim quem é que lhe fez isto? Onde andaria aquela menina calma, tímida e simpática que existia à uns anos?

No dia seguinte quando estava no computador, um novo convite é lhe apresentado assim que inicia sessão, era um rapaz que vivia perto do Gerês, o seu nome era Filipe e tinha cerca de vinte anos. Sem hesitar Leonor aceitou o convite de amizade e semanas depois já estava apaixonada pelas suas palavras e tinham programado um encontro quando ela fosse de férias para o Gerês no primeiro fim-de-semana de Setembro. A última semana de Agosto, passou rápido e num abrir e fechar de olhos já estava ela a caminho do Gerês. Desta vez, optaram ir para uma estalagem, que se situava onde antes existira um café, onde estava Soraia.

Depois de desfazerem as malas, Leonor pede á mãe que a deixe ir ter com uma amiga.

- Mas quem é essa tua amiga?

- A Soraia, conhecia à seis anos e desde aí temos estado sempre em contacto.

- Vai lá, mas anda rápido para casa.

-Ok mãe.

Como nunca correra, Leonor correu quatro quarteirões, até chegar a ela.

- Soraia, aqui a trás, olha para aqui!

Ao virar costas, Soraia deparar-se com Leonor, como ela crescera. O seu cabelo cor de carvão era agora longo, a sua cara era muito comprida, e tinha uns olhos muitos carregados.

- Não imaginas as saudades que tenho, falar contigo virtualmente não é a mesma coisa que estar agora aqui.

- Então Leonor tens novidades? Algum namoradinho novo?

- Não não…mas…

- Mas o quê? Diz lá…

- Conheci um rapaz que mora aqui perto, e combinei um encontro com ele amanhã.

- Que bom! E em que queres que te ajude?

- Bom, se me acompanhasses, era muito bom.

- Não te preocupes, eu vou contigo.

- Ainda bem que vens. Agora tenho que ir ter com a minha mãe que está à minha espera. Até amanhã….

- Adeus, até amanhã…

A noite passou rápida, Leonor nem dormiu, os nervos do encontro, a primeira noite de férias parecia que a felicidade não cabia toda numa só caixa. Quando no relógio anunciava oito horas, Leonor levantou-se, tomou um duche, vestiu-se, tomou o pequeno-almoço e foi ter com Soraia.

Quando chegou a casa da mesma, esta já se encontrava à porta à espera dela, e sem mais demorar foram ao lugar combinado ter com Filipe.

Um encontro marcado à entrada do parque natural do Gerês era o sonho de Leonor. Ela tinha o corpo de uma adulta, mas a sua mente ainda se comportava como uma criança de treze anos.

Ao aproximar-se do local, ambas estava muito stressadas e curiosas, suspirando pelo tal rapaz que tinha apaixonado Leonor.

Os seus suspiros, eram como o bater dos segundos num relógio, estavam ali á cinco minutos, mas era como se lá estivessem à cinco horas.

- Estou tão nervosa amiga…achas que estou bem? O cabelo, cara, maquilhagem? Está tudo bem?

- Sim, não stress porque ainda te dá uma coisinha má.

- Já agora queres que eu saia daqui? Se quiseres eu saio não há problema.

- Claro que não, se eu não te quisesse aqui não te chamava, não achas?

Ali continuaram mais dez minutos.

Quando ambas já pensavam em desistir do encontro, sente-se uns barulhos, uns movimentos vindos de traz de umas árvores que ali estavam. Do nada, aparece um rapaz, os seus olhos eram azuis como o céu, o seu cabelo era curto e preto.

Ao deparar-se com o que via Leonor nunca imaginara que o que via no computador pode-se ser tal e qual ao que via agora. Dos seus lábios soltaram-se um belo sorriso, como nunca tivera acontecido.

Filipe, o rapaz que estava focado nos olhos de Leonor aproxima-se e estende o seu braço direito.

-Filipe. E tu deves ser a Leonor presumo eu.

-Sim, sim sou eu. – a voz de Leonor gaguejava, os seus olhos permaneciam com a imagem do rapaz e os seus lábios estavam cada vez mais reluzentes.

III – “Encontro e Reencontro”

- Desculpa, mas aquela rapariga que estava ali agora mesmo, onde está? Acho que a conheço, mas não sei de onde.

Leonor não ouviu sequer o que ele dizia, apenas fitava os seus olhos azuis.

- Estás bem? – perguntou Filipe já preocupado.

- Estou bem. Estava só distraída.

- Vamos dar um passeio?

- Sim vamos, assim pode ser que encontre a Soraia, já que ela desapareceu.

Os dois foram passear pelos caminhos que se estendiam por entre as matas e jardins do local.

Quando já iam ambos de mão dada, encontraram Soraia a chorar por detrás de uma enorme rocha.

- Soraia estás bem? – Leonor aproximou-se e ajoelhou-se perante ela.

Soraia não respondeu, apenas limitou-se a agredi-la com uma leve chapada no seu rosto.

- Traidora, oportunista, falsa….

- Que se passa contigo? Porque é que fizeste isso? Estás louca?

- Tu aí, deves estar muito feliz com a tua nova namoradinha. – disse Soraia apontando para Filipe.

Este não lhe respondeu e limitou-se a virar a cara.

- Desapareçam os dois daqui….já!

- Quando estiveres melhor falámos. Não estou com paciência para birras infantis. - disse Leonor.

- Não temos nada que falar! Baza já daqui!

Leonor afastou-se, agarrou Filipe e caminhou pela mata, e levou-o até à berma da estrada mais próxima.

- Agora a conversa é contigo. De onde é que conheces a Soraia para ela falares assim contigo?

-Calma… vou-te explicar o que aconteceu entre mim e ela. Bom algum tempo atrás conheci uma rapariga no chat, e essa rapariga era a Soraia, nos falávamos muito, mas ela revelou-se uma pessoa oculta, fez-se passar por aquilo que não era. Nós marcamos um encontro, e não foi nada daquilo que esperava, pois ela nas fotos era uma linda rapariga, de olhos claros, e na realidade era completamente diferente, mentiu-me, fiquei magoado com ela, rejeitei-a por me ter mentido, a partir daí perdi todo o tipo de contacto que tinha com ela.

-Porque me estás a mentir Filipe? Sei perfeitamente que os encontros que ela marcava corriam todos mal, porque os rapazes, incluindo-te gozavam-na.

- É mentira, jamais teria coragem para fazer isso.

-Não, não te conheço… conhecia-te virtualmente, mas não conhecia a pessoa que eras verdadeiramente. E já agora porque está ela a sofrer tanto com o nosso encontro? Porque é que ela me agrediu? Porque fugiu ela quando nos viu juntos? Será que sente algo por ti? Diz-me Filipe, vamos responde-me, quero saber verdadeiramente aquilo que tu és.

Filipe não teve palavras para lhe responder, pois eram demasiadas perguntas ao mesmo tempo, e ao que se tinha passado, não conseguia digerir tudo de uma só vez, precisava de tempo para pensar e reflectir… Simplesmente sabia que não convencera Leonor com a sua história.

Leonor sentia-se cada vez mais triste, e sozinha presa na solidão. Não pensava em nada, só no que se tivera passado naquela tarde, e numa questão de segundos desatou a correr como uma louca, pelo meio da floresta para que não fosse encontrada por ninguém e para que pode-se pensar e reflectir sobre o que aconteceu.

No dia seguinte, quando no relógio davam nove horas, Leonor ainda fazia escorrer pelo seu rosto vastas lágrimas que caiam dos seus olhos. Cansada de estar deitada na sua cama, decidiu ir falar com Soraia, esclarecer tudo o que acontecera para que pudessem ser de novo amigas.

- Mãe posso ir a casa da Soraia?

- Ainda é muito cedo, Leonor primeiro come qualquer coisa e depois vais.

- Não tenho fome, por isso já vou. Até logo.

- Cuida-te filha, e vê se comes algo pelo caminho.

Leonor sentia-se fraca enquanto se dirigia a casa de Soraia, já não comia desde o último almoço e toda esta mágoa arrasou com ela.

Depois de tocar á campainha, Leonor fica surpreendida por ver Soraia a abrir a porta.

- Podemos falar?

- Não tenho nada para falar contigo, sai da minha casa!

Soraia tentava fechar a porta, quando Leonor pôs o seu pé entre a porta e a parede para o impedir.

- Por favor tenho mesmo que falar contigo. Não sabia que conhecias o Filipe! Já sei de tudo, eu deixei-o o pendurado porque ele mentiu-me a teu respeito!

- O que é que ele te disse a meu respeito?

- Vamos para um sítio mais calmo e eu conto-te tudo.

- Mãe vou sair e já venho.

- Não demores Soraia tens que tomar o pequeno-almoço.

Leonor e Soraia sentaram-se num banco mais afastado de toda a zona habitacional.

Ela contou tudo o que se passara com Filipe à amiga desde que se conheceram até à discussão do dia passado.

- Mas eu acredito em ti Soraia, ele gozou-te pelo teu aspecto físico e agora tenta desculpar-se e culpa-te a ti de seres falsa e cruel.

- Acreditas mesmo em mim?

- Sim acredito, eu não quero perder uma amiga como tu. O Filipe já passou, agora que venham outros.

Os últimos dias de férias foram não tão felizes como anos anteriores, mas pelo menos a amizade de Leonor e Soraia sobreviveu a toda esta história. Depois de se despedir da amiga, Soraia sentia-se estranha, amarga como se falta-se-lhe algo para ser feliz. Ao ver a sua amiga partir dos lábios de Soraia solta-se um raro sorriso, como se fosse preparar alguma.

IV - “Uma nova oportunidade para amar”

Agora o que predominava em Leonor era o ambiente da sua terra natal. Já passara um mês desde as férias dela e estava agora Leonor em véspera de aniversário. Como o habitual, Leonor estava triste, o desastre das férias, o inicio do seu décimo primeiro ano de escolaridade (já reprovara varias vezes mas nunca desistiu), mas acima de tudo fazia neste dia nove anos da morte dos seus avós. Ela já não sentia aquele rancor de culpa, mas eram marcas que iriam ficar cicatrizadas em si. Ela iria fazer dezoito anos, iria agora ser uma pessoa adulta.

- Leonor estás pronta?

- Sim mãe já vou.

Eram quinze horas e a família deslocava-se para a capela onde iria haver uma missa em memória dos seus avós.

Durante toda a cerimónia religiosa Leonor fazia figas para que pode-se voltar para casa. Como para o seu agrado, estiveram ali apenas uma hora. Quando chegaram a casa Leonor foi para o seu computador actualizar o seu perfil online. À mais de três semanas que não apanhava Soraia online. O que terá acontecido? – questionava-se Leonor.

Passado uns minutos surge um convite na caixa de entrada de Leonor.

- Que estranho…é o primeiro que aparece sem foto, sem morada e tem um nome muito esquisito.

As dúvidas de Leonor em aceitar o convite estranho duraram um dia. Porém no dia seguinte ela aceitou logo pela manhã o convite e começou a trocar mensagens com esse tal sujeito.

- Leonor importas-te de me ajudar a preparar tudo para o jantar? Quem faz anos és tu, não sou eu!

Beatriz andava muito atarefada com os preparativos para a festa de anos, mas Leonor agora parecia ter ficado colada ao seu computador a falar com esse tal amigo.

Quando no relógio os ponteiros marcavam oito horas, toda a família de Leonor encontrava reunida numa mesa. De gritos de risadas às piadas de Afonso a sala transformou-se numa verdadeira festa. Enquanto todos esperavam por Leonor para o corte do bolo, ela estava no seu quarto a falar com esse seu novo amigo.

- Leonor está-mos à tua espera.

- Já vou pai. Estou na casa de banho.

De facto Leonor aproveitava todos os segundos deste dia para falar com esse seu amigo. Era estranho como depois de um dia de se conhecerem já se davam tão bem. Leonor não ficou a saber mais nada sobre ele mas já falavam como se ele fosse o seu melhor amigo.

O resto do dia passou como um relâmpago. Apesar de ser sexta-feira já todos se tinham ido embora mesmo antes da meia-noite.

Os dias foram passando e Leonor começou a conhecer melhor o seu amigo. No dia um de Novembro Leonor foi com os seus pais á missa de todos os santos prestar uma homenagem a todos os seus familiares já falecidos. Neste dia Leonor estava muito contente, pois o seu amigo apesar de ter já dito antes que morava em Aveiro, disse-lhe agora que se chamava Pedro. Do lado contrário das paredes da capela a chuva era intensa e os relâmpagos faziam as crianças que estavam na capela estremecer de medo.

A partir deste dia enquanto Leonor falava com Pedro aparecia uma foto de um rapaz no seu monitor, e Leonor estava capaz de dizer que o vira em algum lado, apesar de ter ido a Aveiro poucas vezes.

Ao aproximar-se o Natal, Leonor sentia-se cada vez mais atraída por Pedro. Os poemas que ele lhe enviava encantavam-na e faziam a sonhar com um grande amor. Nem mesmo o que se passara com Filipe era tão intenso e tão forte. Leonor estava agora capaz de cometer loucuras por amor. Mas sentia um arrependimento quando se lembrava de Filipe.

O dia de consoada de Natal chegou num abrir e fechar de olhos.

- Mãe vou sair e já venho.

- Onde vais?

- A casa da Carolina. Já é altura de fazer as pazes com ela.

- Então vai…e boa sorte.

Leonor saiu de casa e dirigiu-se a casa da sua ex-amiga. Já estava farta de chatices e sentia que precisava de desabafar com alguém, uma vez que Soraia andava tão oculta.

De repente uma porta abre-se e aparece Carolina.

- Posso entrar?

- Que fazes aqui? – perguntava Carolina admirada com o facto de Leonor estar ali.

- Acho que é altura de renovarmos a nossa amizade. Sei que cometi um erro ao deixar-te de lado, mas tenta compreender.

- Claro que compreendo, mas também não fui suficientemente compreensiva contigo. – enquanto Carolina dizia estas palavras pensava como se tinha arrependido do que acabara de dizer.

- Ando à muito tempo a precisar de desabafar com alguém, e agora a Soraia anda tão desaparecida da internet, já não a apanho online à muito tempo.

- Não estás a querer dizer que eu sou o teu ponto de socorro quando a tua outra amiga não está disponível para ti?

- Não, não penses assim…conhecemos à tanto tempo, acho que tu és aquela que me compreenderá melhor com este assunto que tenho para te dizer.

- Então vamos dar um passeio e conversámos pelo caminho.

Enquanto caminhavam pela estrada Leonor contou toda a história de Filipe e Pedro a Carolina.

- Estava capaz de fugir para ser feliz com ele, as palavras que ele me envia, os poemas é tudo tão romântico e tal como eu sempre sonhei.

- Tens uma vida pela frente Leonor, não cometas nenhuma loucura.

- Isto era só uma maneira de falar…é claro que não fugia para ir ter com ele sem ter um emprego, carro próprio e pelo menos dezoito anos.

A conversa prolongou-se até ao fim da tarde, e quando repararam nas horas, ambas desataram a correr para casa, uma vez que tinham a família à espera para a consoada.

V – “ Uma loucura por amor”

Uma semana depois, toda a família de Leonor se encontrava de novo em sua casa para celebrar a passagem de ano. Nesta noite ela limitou-se a ficar no seu quarto, para fazer birra com a sua mãe. Beatriz já não aguentava as discussões que tivera com a filha ao longo da semana, não aguentava o facto de ela ser malcriada, e não ser obediente para com ela e Afonso.

- Agora que estamos aqui todos á mesa, tenho um assunto importante para falar com vocês. – disse Beatriz.

- A Leonor não anda bem, ela não respeita ninguém, não faz o que lhe mando e o pior é que foi no dia de Natal que começou a ficar assim. – acrescentou ela.

- Acham que é influências de amigos da escola ou qualquer coisa do género? – perguntou Afonso.

Um silêncio ocupou toda a sala e de seguida Cláudia, a irmã de Beatriz meteu-se à conversa:

- Ela passa muito tempo no computador?

- Sim, passa mas ela diz-me sempre que está a fazer trabalhos.

- E tu acreditas? Nunca tiveste interesse em ver esses trabalhos?

- Realmente, não mas também não sei mexer nisso.

- Acho que te posso ajudar…acrescentou a irmã.

- Chama a Leonor para vir comer alguma coisa e enquanto isso vou aos registos do computador ver o que ela tem andado a fazer.

- Ok. Vamos lá. – disse Cláudia.

- Leonor anda comer qualquer coisita… - gritava Beatriz dirigindo-se ao quarto da filha.

- Já vou…

Não tardou enquanto Leonor chega-se à cozinha para petiscar um doce da consoada.

Enquanto isso a sua tia foi até ao seu quarto pegou no computador e descobriu tudo o que se passava, o caso amoroso com Pedro, os maus concelhos que este lhe dava e que ela usava contra os pais, e muitas mais coisas acerca da sobrinha. Estava tudo ali gravado como se fosse um diário.

- O que faz aqui tia?

- Nada nada…já estou de saída.

Surpreendida pela chegada da sobrinha ao quarto, Cláudia saiu sem largar mais nenhuma palavra. Leonor ficou o resto da noite no seu quarto, enquanto a família discutia o que Cláudia descobrira.

- Está decidido! – disse Beatriz.

- Ela então que aproveite bem esta noite, que vai ser a última. – disse outra tia de Leonor que ali estava.

A mágoa e a tristeza dominaram o resto da noite de passagem de ano. A chegada do novo ano nem foi sentida na casa de Beatriz e Afonso.

O primeiro dia de Janeiro foi benzido pela forte chuva que se alastrava na aldeia. Pelas dez horas da manhã já Leonor se encontrava na cozinha a tomar o pequeno-almoço e o seu pai aproveitou esse momento para a distrair enquanto Beatriz foi buscar o computador ao quarto de Leonor. O plano não correu como esperado, e no momento em que Beatriz saia do quarto da filha foi surpreendida por ela.

- Que pensa que está a fazer? – disse Leonor.

- Nada que te interesse, é só para teu bem!

- Deixe isso ai que é meu! Largue já!

Beatriz ignorou as palavras da filha e deslocou-se para o seu quarto. Leonor ainda tentou agarrar o computador, mas a sua mão parecia não ter agarrado o alvo certo. Numa segunda tentativa ao agarrar o computador, o mesmo cai no chão e faz um enorme estrondo. Um silêncio sentiu-se de seguida e de novo um outro som forte faz estremecer toda a casa.

- Pára, não sou nenhuma criança para me bateres! – disse Leonor.

- Também já não importa, o meu objectivo era ficares sem computador. Agora quando quiseres outro compras com o teu dinheiro.

Passaram-se duas semanas, e o clima naquela casa foi sempre assombroso como se vivessem num pântano.

Ao décimo sexto dia do mês de Janeiro Leonor recebe uma carta. Esta apresenta apenas o destinatário, e não o remetente. Ao abrir a carta ela reconhece as palavras do seu amado. Porém aquela carta era um pedido, um convite ou talvez uma ajuda para uma fuga. Sem perder mais um único minuto Leonor prepara a sua mala de viagem com quase todos os seus pertences pessoais, e esconde-a debaixo da cama até arranjar o mais importante para poder partir para Aveiro. Aproveitando o momento que os pais não estavam em casa Leonor desloca-se ao quarto do casal e procura em todo o lado o dinheiro das poupanças dos pais, e é quando encontra numa pequena gaveta uma caixa que continha no seu interior cerca de mil euros. Duas horas depois, com a mala pronta, o dinheiro na mão, só faltava agora partir em busca do seu príncipe. Não sabia se devia ou não deixar uma carta de despedida aos pais, mas por fim começou a escrever.

“Provavelmente no momento em que estão a ler a carta, já estarei muito longe. Parti em busca do meu verdadeiro amor, na única coisa que me faz viver e sentir-me bem. Perdi toda a consideração para convosco e para com o resto da família e não sou nenhuma criança para ter de estar em casa a obedecer às vossas ordens. Espero que não me procurem nem mandem ninguém o fazer. Despeço-me com uma grande tristeza por não me compreenderem.”

Leonor pousou a carta em cima da mesa da cozinha sentiu pela última vez a sensação de estar em casa, e bateu a porta em direcção à paragem. Não tardou a partir no primeiro autocarro, e foi para Aveiro ter com Pedro.

Quando Beatriz e Afonso chegaram a casa deram de caras com a carta, e depois de a lerem só se ouvia os gritos de tristeza e raiva de Beatriz e os nervos de Afonso faziam-se notar à flor da pele.

Decidiram fazer o favor de não seguir a sua filha, pois sentiam que era altura de ela seguir o seu caminho, e tentar amparar-se sozinha se tiver uma queda.

VI – “Aveiro ”

O sol já se escondera quando Leonor chegara a Aveiro, e esta mais do que nunca sentia-se sozinha e com remorsos uma vez que nunca tinha estado frente a frente com Pedro o que a fazia sentir que agora ele iria ser um perfeito estranho.

Cansada da viagem Leonor procura uma estalagem para passar a noite e só no dia seguinte iria procurar Pedro. A noite passou calmamente mas de madrugada ouviam-se as primeiras gotas de água a bater nos vidros das janelas. A manhã chegou e Leonor já estava pronta a começar a procurar o seu amado. Consigo levava um pequeno papel com a morada que este lhe enviara e um pequeno guarda-chuva que pertencia ao seu pai. Com o passar do tempo a chuva era cada vez mais forte o que dificultou a procura de Leonor. Quando se sentia cansada de não encontrar o seu amado Leonor começou a perguntar a todas as pessoas que passavam e em locais comerciais onde se situava a rua que vinha mencionada naquele pedaço de papel. Ninguém conhecia, nem uma única pista. Já passavam vinte e quatro horas desde que Leonor chegara a Aveiro e esta já se encontrava de novo na estalagem onde passou a primeira noite. Pegou no seu novo computador que tinha comprado recentemente e foi ver se Pedro estava online. Parece que a sorte não se esvanecera por completo do seu dia e foi num grande impulso que ela o encontrou online e rapidamente lhe perguntou numa chamada por Web:

- Procurei-te o dia todo e não existe nenhuma morada igual à que me enviaste!

- É impossível! Eu moro na rua de Santa Teresinha, no nº134. – disse Pedro.

- Desculpa mas não foi isso que envias-te.

- Não? Então desculpa deve-mo ter enganado. Desculpa, amanhã anda ter comigo então.

A conversa acabou ali mesmo e no dia seguinte Leonor voltou a pisar as ruas da cidade com um novo pedaço de papel na mão juntamente com um guarda-chuva. Mais uma vez não encontrou a morada indicada e voltou a contar com a ajuda das pessoas que entre ela passavam. Nada, de novo nem uma única pista. Leonor entrou em desespero, sentiu-se humilhada e gozada. A raiva tomou conta de si e desatou a chorar por entre a multidão que passava. A água da chuva escorria-lhe por todo o corpo, uma vez que perdera as forças e não conseguia sequer segurar o seu guarda-chuva. Leonor entrou dentro de um dos barcos que se encontravam ali na berma da ria, e inundada pelas suas lágrimas e pela chuva ali permaneceu. A escuridão era imensa quando Leonor acordara da sua mágoa e ouvia um grupo de pessoas, provavelmente homens a aproximar-se. Espreitou por uma fenda do barco e tentou fugir dos bandidos que se aproximavam mas estes foram bem mais rápidos e agarraram-na por um braço e puxaram-na para um beco. Tentaram roubar-lhe tudo o que ela tinha de valor mas pouco encontraram. Ela gritava mas ninguém parecia ouvir uma única palavra. Quando todos se preparavam para o pior um homem aproximou-se e eles ficaram imóveis por uns segundos até que desataram a correr abandonando Leonor naquele chão já quase despida. O homem aproximou-se mais dela, cobriu-a com o seu casaco e perguntou-lhe onde morava.

- Naquela estalagem perto do centro comercial. – sussurrou Leonor.

- Já sei onde isso fica. – respondeu o individuo.

Ele pegou-lhe ao colo e levou-a até à estalagem onde ela permaneceu a noite a descansar.

O sol já despertara à muito tempo quando Leonor se levantou e pensava se tudo o que lhe acontecera foi um sonho. Mas o que não faltavam naquele quarto eram indícios da noite passada.

Quando conseguiu interiorizar o que se passara Leonor pensou que fora gozada por um indivíduo pelo qual ela se tinha apaixonado. Faltou ao respeito à família, fugiu de casa e agora tudo com que sonhava parecia não existir. Os dias foram passando e Fevereiro chegou, porém nunca mais Leonor encontrou Pedro online. Já com menos de metade do dinheiro Leonor não sabe o que fazer. Voltar para casa estava fora de questão, ligar a Carolina estava fora de questão pois esta nunca concordou com o que ela fazia e então lembrou-se que alguém era capaz de a poder ajudar. Pegou no telemóvel e ligou a Soraia, mas esta não atendeu a chamada e Leonor decidiu tentar mais uma vez. Sem resposta por parte da amiga ela sente-se cada vez mais abandonada. Conseguiu a ajuda da dona da estalagem que lhe diminuiu a renda uma vez que ela estava a ficar sem dinheiro mas não parecia fazer a diferença. O mês de Fevereiro esta já a meio e Leonor só já tinha dinheiro para uma viagem de regresso a casa e pouco mais. Decidiu voltar para junto dos pais mas sabia que não iria ser recebida da melhor maneira e então começou a fazer as malas e ao meio dia do dia 14 partiu para a sua terra natal. As estrelas eram o padrão quando ela chegou a Mansores saiu do autocarro e dirigiu-se a casa dos seus pais. Notava que por onde passava todos lhe olhavam de lado mas fingiu não ver ninguém continuando o seu percurso.

Não tardou a chegar a casa dos seus pais, que davam sinais de estar a fazer uma grande festa com toda a família. Ela não compreendera o motivo mas depois lembrou-se de algo. Era o dia de anos de casado dos seus pais, as bodas de prata. Depois de ficar petrificada a olhar para casa e a lançar arrependimentos Leonor afastou-se e foi a casa de Carolina. Ao chegar a casa da amiga esta toca à campainha e é surpreendida pela mãe da amiga que abre a porta.

- Tu? Que fazes aqui? – perguntou ela a Leonor.

- Desculpe, mas preciso de falar com a sua filha. – respondeu Leonor. – Se fosse possível, claro.

- Não devia deixar, o que fizeste com os teus pais foi muito cruel. E para que saibas toda a gente aqui na freguesia está desiludida contigo! A tua família não merece o que fizeste, foste egoísta e cruel!

- Eu sei, e estou muito arrependida, agora se não se importa chame a Carolina se faz favor.

- Carolina? Podes chegar aqui?

- Já vou mãe.

Ela desceu as escadas a correr mas ficou paralisada ao ver Leonor no meio da sala. A sua face ficou pálida, mas logo reagiu:

- Leonor…que fazes aqui?

- Desculpa, podemos falar a sós?

- Vamos para o meu quarto. – disse Carolina.

Depois de Leonor ter contado tudo o que fizera, Carolina falou pela primeira vez depois de ouvir aquele discurso.

- Desculpa, mas não posso ajudar-te. O que tu fizeste foi muito grave! Acho que já tens idade de tentar ser alguém e de deixar de ser a menina mimadinha que sempre foste. Desculpa mas tens que aprender com os teus próprios erros. – Carolina parecia ter perdido a voz, mas acrescentou: - Sai de minha casa se faz favor.

Leonor ainda tentou falar mas viu que não valeria a pena e saiu sem saber o que fazer. Sem dinheiro, sem amigos sem um único ponto de luz ela vagueou pelas ruas e passou a noite num pequeno palheiro ali perto que estava abandonado.

VII – “ O Roubo e a Fuga”

A noite passou em claro para Leonor, embora não tivesse adormecido ficou a pensar no que deveria fazer. A manhã chegou e Leonor ainda não tinha uma solução para a sua vida. Restavam-lhe uns pequenos trocos e não davam sequer para um almoço. Poucos minutos depois ela lembrou-se que era capaz de receber ajuda de Maria Lucinda, uma velhota que vivia mesmo no centro da freguesia. Dirigiu-se a casa dela com cuidado para não ser vista e trepou à porta.

- Quem é? – respondeu uma voz muito aguda de dentro das paredes.

- Desculpe o incómodo, mas sou a Leonor a filha da Beatriz.

A senhora que parecia ter mais de oitenta anos, estava toda curvada numa bengala, com um xaile pela cabeça abriu a porta e fez sinal a Leonor para entrar.

Leonor sabia que podia contar com a ajuda dela, pois ela não saía de casa desde que o seu marido morrera à vinte anos, e alimentava-se apenas de pequenos alimentos que cresciam numa pequena horta nas traseiras da casa.

- Peço desculpa mais uma vez, mas acho que a senhora me pode ajudar.

- Leonor como estás crescida! Já não te via à muitos anos desde que os teus avós morreram e tu passas-te aqui na rua. Então como estás, à muito tempo que não tenho novidades tuas.

A senhora parecia não ter ouvido o pedido de ajuda de Leonor e preocupava-se apenas em saber o que ela tinha. Quando a senhora parou de falar Leonor disse:

- Eu vim aqui em nome da minha mãe.

- Ah a minha afilhada! Como está ela?

- Bem, mas ela queria lhe pedir um favor…

- Diz lá, faço tudo o que puder para ajudá-la.

- Preciso de dinheiro… - disse Leonor, com a voz a tremer.

- Dinheiro? Mas o que se passa?

- Não é nada de grave, apenas a minha mãe precisa de comprar uma arca nova e não tem dinheiro que chegue.

- Pobre Beatriz, e quanto quer ela?

- Quinhentos euros. – disse Leonor.

- Espera ai minha filha eu vou lá dentro buscar. A senhora afastou-se para ir ao quarto buscar o dinheiro e mais uma vez Leonor mentiu e iria roubar a senhora por ter vergonha de mostrar a cara aos pais e à freguesia.

- Aqui está. – disse a senhora aproximando-se de Leonor.

- Obrigado. Queria lhe pedir uma coisa, pode ser?

- Sim, diz lá.

- Não diga a ninguém que eu aqui estive, sabe depois andam ai boatos sobre a minha mãe. Compreende?

- Sim, não te preocupes também não saio desta casa à vinte anos.

Foi com um sorriso na cara que Leonor se despediu da senhora e agora que lhe restava pensar o que fazer.

Ela partiu no primeiro autocarro que ali passou e foi para o Porto.

Quando chegou ao Porto já era quase noite e instalou-se numa pequena pensão que ali tinha. Deitou-se na cama e começou a pensar em tudo o que tinha de fazer, pois não podia ali ficar mais nenhum dia. Foi então que se lembrou de alguém que era capaz de a poder ajudar, alguém a quem poder recorrer. Pegou de imediato no seu computador e ligou a internet a uma rede pública da pensão. Para seu desagrado Soraia não estava online e limitou-se a tentar outra solução. Visto que a sua única solução era a ajuda de Soraia esta investiu o dinheiro para ir até ao Gerês ter com ela.

A manhã chegou num abrir e fechar de olhos e quando já o cuco cantava as nove horas Leonor já estava no centro de camionagem pronta para partir para o Gerês. Quando saiu do Porto eram quase dez horas e foi só passado oito horas que ela chegou ao destino. Durante toda a viagem ela pensou em tudo o que lhe acontecera e como parecia estar a superar tudo. Teria já a sua mãe conhecimento do dinheiro que ela pediu a Maria Lucinda? Alguém a poderá ter visto vaguear pelas ruas em Mansores? Teria Carolina feito algo e alertados os seus pais por ela ter estado lá em Mansores? As dúvidas acompanharam Leonor durante toda a viagem mas nenhuma resposta parecia ter vindo ter com ela.

Mal chegou ao Gerês dirigiu-se a um pequeno bar para comer algo pois já não comia desde que saíra do Porto. Desta vez sobrara-lhe muito dinheiro, pois a viagem não era muito cara e ainda ela não tinha que gastar muito dinheiro com estalagem, pois sabia que Soraia a acolhia em sua casa de braços abertos no dia seguinte.

Decidiu então passar a noite numa pensão ali perto e logo de manhã iria ter com Soraia, e foi então que ela se deslocou até à estalagem e lá permaneceu até ao amanhecer.

Quando o sol chegou ao Gerês, Leonor levantou-se da cama e arrumou toda a sua bagagem, tomou o pequeno-almoço e dirigiu-se à casa de Soraia.

Ainda longe de chegar ao seu destino ela é surpreendida por um rapaz que aparece mesmo ao virar da esquina onde ela se encontrava. Filipe olhava agora Leonor nos olhos, o que causou um momento de grande tensão e ali ficaram imóveis por uns segundos. Esta decidiu continuar o seu percurso virando-lhe as costas quando ele se aproximava e continuou a caminhar até à casa da sua amiga.

Cada vez mais envergonhada, por uns segundos arrependeu-se de ter vindo para aquele local, mas rapidamente lembrou-se qual o verdadeiro motivo da sua fuga. Quando começou a avistar a casa onde morava a sua amiga desatou a correr e tocou à campainha. Nada. Ninguém falou, ninguém foi à porta. Ela sentou-se ali, encostada ao muro frio e húmido esperando por alguém, por uma resposta vindo de dentro da casa.

As doze horas faziam-se sentir na posição do sol e então Leonor foi até à padaria mais próxima onde comeu algo, mas voltou a correr para junto dos portões de casa da amiga. Passado umas horas um autocarro para ali mesmo naquela rua, e é então que Leonor avista um bando de miúdas juntamente com Soraia.

Quando Soraia a viu, a cena que se passara com Filipe à umas horas antes voltara a repetir-se. Quando ela chega perto de Leonor olha-a de cima a baixo e diz:

- Tu? Que fazes aqui? Os teus pais?

- Olá… eu… preciso da tua ajuda. Eu fugi de casa. Deixa-me entrar e conto-te tudo.

VIII – “ A Pura Verdade”

- Não. Agora estás a pagar por tudo o que me fizeste! – a voz de Soraia era forte e fazia estremecer tudo o que ali se encontrava.

- Não estas a perceber, deixa-me explicar-te…

- Não tens nada que explicar! Tu roubaste-me o meu grande amor, fizeste-me passar uma grande vergonha quando encontras-te com ele. Ele tinha razão eu era falsa mas ele nunca gostou de mim de maneira alguma.

- Mas eu não tive culpa…

-Cala-te! Depois apareces-te tu…a linda rapariga que fez Filipe se encantar. Ele apaixonou-se por ti e tu por ele. Não imaginas a raiva que senti e ainda sinto por ti! Desfizeste os meus sonhos e pagaste muito caro por isso!

- Desculpa, mas como sabes que estou a pagar ou não por isso?

- Então o teu amigo Pedro está bom?

Pedro…de onde conheceria ela o Pedro? A tensão voltou a sentir-se no momento que dos lábios de Soraia se soltou a palavra “Pedro”.

- Conheces o Pedro?

O riso maléfico de Soraia fazia Leonor sentir-se insegura, mas rapidamente calou-se e disse.

- O Pedro? Onde anda o Pedro? É o teu amor o Pedro?

- Sim, porquê?

- O Pedro, por acaso é um colega meu da escola, isto se estivermos a falar da foto que vias na internet e a voz que ouviste, mas se estivermos a falar das mensagens românticas que ele te enviava…podes dizer que eu tenho jeito, não?

- Tu? Não acredito como foste capaz?

- Como já te disse, comigo ninguém brinca e tu apenas pagas-te pelo que me fizeste!

- Não….não pode ser verdade… - as lágrimas de Leonor eram intensas e faziam-na enfraquecer o foi numa questão de segundos que ela caiu no chão a chorar e apenas ouvia as palavras de Soraia.

- O Pedro foi uma invenção minha…Aveiro, porque eu sabia que se fosse outro local mais longe tu não serias capaz de ir ter com ele. E agora estás sozinha! Sem amigos, sem a família…o que vai ser de ti?

Leonor não soltava uma única palavra apenas a raiva parecia ferver na sua cara.

- Eu agora sou bem mais feliz sem precisar de ti na minha vida…tens bons amigos e um bom grupo na escola.

Leonor levantou-se e sentia-se mais forte e pronta a dizer tudo o que tinha a dizer a Soraia.

- Tenho pena de ti…és tão fraca, invejosa, falsa e pensas no teu bem-estar e não te preocupas sequer pelos outros. Será que amavas mesmo o Filipe ou era apenas uma manobra de diversão tua para te sentires mais importante perante os outros na escola?

- Como te atreves?

Mal acabou de soltar estas palavras Soraia atira-se a toda a força para cima de Leonor e envolveram-se numa enorme briga que fez chamar ainda mais a atenção de todos os que ali passavam. Conseguindo soltar-se de Soraia Leonor desata a correr por uns atalhos e esconde-se num pequeno café escuro e sombrio onde apenas estavam três pessoas: o empregado de mesa e dois bêbedos.

Coberta de medo e raiva Leonor esconde-se num canto da sala com medo de ser novamente atacada e é então que a porta da sala abre-se e ela vê Filipe procurando por algo entre as mesas.

- Estás aqui. Procurei-te em todos os cafés desta rua. Sei tudo o que aconteceu…ouvi a tua discussão com a Soraia e agora vejo o motivo de não acreditares em mim a vossa amizade era forte e ela conseguia iludir-te. Agora isso não interessa tens que sair daqui.

- Eu não mereço a tua ajuda…deixa-me ficar.

-Nem pensar! È então que ele a beija intensamente e ambos descobrem o que ainda sentem apesar de tudo.

Depois desse fantástico momento, são obrigados a descer das nuvens e correr pelo café fora na esperança de não encontrar Soraia.

Iam já a sair daquela velha rua onde estavam os cafés quando aparece Soraia com um grande punhal na sua mão.

- Que estás a fazer larga isso!

- Agora tens medo, amor?

- Eu não sou o teu amor, o meu coração agora pertence à Leonor, como desde o dia em que a conheci.

Ele segurava fortemente Leonor atrás de si, sem deixar que Soraia se aproxima-se dela.

- Larga-a já e assim não haverá muitos danos.

Com medo de que Soraia faça mal a Filipe, ela solta-se dos braços do amado e aproxima-se de Soraia.

- Não! Afasta-te, ela quer-te fazer mal!

- O melhor é não fazeres o que o teu amado manda…para o vosso bem.

- Agora vou acabar contigo!

Soraia desatou a correr contra Leonor com o punhal na mão que segurava por cima da cabeça apontado a Leonor.

-Não! - mal Filipe soltou colocou-se na frente de Leonor.

- Filipe! – Leonor berrava chamando em vão pelo amado.

Pelo peito de Filipe o sangue escorria e do lado esquerdo do seu corpo estava ali o punhal crucificado no seu coração.

Soraia estava ali, pasmada com as mãos encharcadas de sangue e sem esperar que aquilo fosse acontecer ela desata a correr e abandona os dois ali que estavam estendidos no chão. Leonor estava sentada com o corpo de Filipe no colo e viu naquilo um fim. Sabia que não podia ressuscitar o seu amado e então permaneceu ali inquieta e apenas soltava vibrações horríveis e dolorosas.

IX – “Cinco anos depois”

Quando Leonor se levantou para tomar o pequeno-almoço, já os seus pais tinham saído de casa para ir trabalhar. Ao chegar perto da cozinha ela teve uma recaída. O que seria aquilo? Ela não estava doente.

- Hoje, é hoje que faz cinco anos que ele se foi…

Cinco anos passaram, Soraia foi presa, os Leonor foi perdoada pela família, mas nunca mais confiaram nela como no dia em que ela nascera. Leonor sentia como tudo passava tão depressa mas aquela mágoa que sentia era como se tudo tivesse acabado de acontecer. A história do dinheiro pedido à Sra. Maria nunca veio ao de cima, Carolina, a única que sabia nunca contou nada a ninguém e Leonor já devolveu o montante à senhora.

Tudo agora parecia mais calmo, mais alegre. Desde à cinco anos que ela nunca mais voltara à escola. Agora trabalhava para paga tudo aquilo que roubou aos pais, mas nunca teve interesse em voltar aos estudos e ali ficou a trabalhar naquela fábrica de enlatados até hoje.

- Ela deve estar a chegar, tenho que me despachar. – Leonor estava atarefada pois hoje tinha uma coisa importante a fazer.

Ouviu-se a buzina de um carro e Carolina estava lá esperando a sua amiga.

- Estou pronta, podemos ir.

Elas foram e quando chegaram ao destino a tarde já ia a meio. Pararam o carro mesmo em frente aos portões e entraram. Por entre tantas campas a de Filipe era uma de cor branca e tinha uma caixa lacrada onde se encontrava um punhal.

Carolina deixou ali ficar Leonor junto à campa e foi para o carro.

Leonor abriu a caixa, pois ela ficou com uma chave e retirou o punhal. Estava tudo pago, tudo o que roubara já tinha devolvido e a aliança com todos estava feita.

Apontando o punhal a si, fez com que tudo se repetisse e ficou ali estendida na campa do seu amado. A chuva encarregou-se de espalhar o sangue da rapariga que parecia agora um mar encarnado. No dia seguinte Beatriz e Afonso, chegaram ao Gerês.

- Desculpem-me, eu não sabia que ela queria fazer isto… - as lágrimas de Carolina borravam toda a sua face enquanto implorava pelo que acontecera.

- Tu não tens culpa, a escolha foi dela. Se ela o fez estava consciente disso. – disse Beatriz.

- Ela tinha um último desejo.

- Diz lá Carolina. – disse Afonso.

- Ela queria ficar aqui nesta terra eternamente.

O enterro fez-se no dia seguinte, entre a família da vítima encontrava-se Carolina, os seus pais e mais alguns membros da freguesia onde morava Leonor, a Sra. Maria que nunca saia de casa fez questão de prestar uma última homenagem à rapariga.

“- As loucuras do amor fazem maravilhas, mas quando podem ser amaldiçoadas causam tragédias como estas. Anteontem fez cinco anos que morreu aquele que ela amou verdadeiramente se foi e desde então tem-lhe sido muito difícil superar a mágoa que sentia. Nós podíamos prever isto, ela deu sinais. Quando fugiu para Aveiro ela não sabia que era uma emboscada e estava cega pensava que assim podia esquecer Filipe e tentar a sorte com outro. Não teve sorte, a sua amiga que aqui morava era a culpada de tudo o que lhes aconteceu. Ela chegou a dizer-me que queria deixar uma boa recordação a todos os que fizera sofrer, aos seus pais e não só. Ela disse que tinha agora uma missão. Procurar na eternidade o seu amor.” – Carolina acabou o discurso e ficou ali a ver o caixão abandonar a luz do dia.

Lado a lado, ali ficaram debaixo da terra os seus corpos mas as suas almas eram mais felizes juntas na eternidade.

 

FIM

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