quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Brilho da Lágrima Parte 8 – Samuel Rocha

Reveja a Parte 7

8

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A visita à casa do senhor Raimundo não
durou mais do que meia hora. Susana nem
tempo teve de o ver. Olhou
instantaneamente para o seu quarto, mas
apenas conseguiu ver parte da cama. Havia um
«cheiro de hospital» naquela casa do qual o
corpo não se queria libertar.
No dia seguinte, quando já estava em
Aveiro, Susana pediu a Salvador que fosse
com ela a Beja visitar Martim ao cemitério. A


dor era tremenda. Ninguém podia imaginar o
que ela estava a sentir.
Decidiram encontrar-se na paragem de
autocarros.
Ela esperava-o ansiosamente. Cinco
minutos bastaram para que Salvador e Miguel
aparecessem ao fundo da rua, de mochila às
costas e muito sobressaltados.
- O que é que se passa? Porque estão
assim?
O pequeno Miguel avançou com a
resposta:
- Estamos a f...
- Cala-te, Miguel! – interveio-o Salvador. –
Nós trouxemos alguma coisa para comermos.
Estamos neste estado, porque vínhamos
atrasados.
- Muito pelo contrário. Chegaram antes da
hora.
- Como é que estás?
- Ainda não estou em mim. Só de pensar
que o meu filho sofreu tanto antes de
morrer... dá-me um aperto no coração, um
aperto bem forte!
O coração não era o culpado. A vida levou
a que Susana abandonasse o seu bebé, que
viria a falecer. A vida deu a morte a alguém
que não tinha pedido para morrer. Era uma
criança... uma criança que, apesar de nunca ter
visto a mãe, era feliz ao lado de quem sempre
viveu com ela.
Depois de algumas horas em que os
olhares pálidos apenas fingiam olhar a
paisagem, chegava a hora de saírem do
autocarro e de se direccionarem para o
cemitério, que por sinal, não era muito longe.
Pelo caminho, Salvador estava inquieto.
- Salvador, eu reparei que tu, durante a
viagem, ias olhando para a parte de trás da
camioneta.
- Eu? Não, deves estar confusa. Se olhei,
foi porque viemos nos lugares da frente.
Queria ver quem estava atrás. Apenas isso.
- Estás tão nervoso! O que é que se passa?
Primeiro, chegaste à paragem com o teu irmão
e deixa-me dizer-te: vocês estavam muito
agitados! No autocarro, foi o que foi. Agora,
continuas assim... O que é que tens?
- Hoje estás muito conflituosa! Já te disse
que estamos bem. Susana, este dia é para tu
desfazeres as saudades que tens guardadas
dentro de ti. Aproveita o momento.
Susana não deu importância. Ele tinha
razão. O momento era dela e ela tinha de o
aproveitar.
Rapidamente chegaram ao cemitério. Tinha
muitas semelhanças com aquele onde Nuno
tinha sido enterrado. O verde era mesmo
verde. O branco das lápides era como o
branco da neve. Parecia um cenário de paz, de
tranquilidade.
Os minutos foram passando e a ânsia de
encontrar o nome de Martim aumentava a
cada instante. Por fim, lá encontraram a sua
laje.
Foi a primeira vez que Susana viu uma foto
do seu filho. Era lindo.
Ela ajoelhou-se, de mãos na cara,
enquanto vertia lágrimas vacilantes como a
sua fragilidade. Levou a mão à cara de
Martim... Quis despedir-se dele
correctamente, pois nunca o havia feito antes.
Salvador estava encostado a uma árvore,
mesmo por trás de Susana. Já Miguel, esse
mantinha-se ao lado daquela que pensava ser
uma pessoa sofredora. E tinha razão. Ela
estava a sofrer.
- Susana, eu vou comprar qualquer coisa
para comer. Esperem um pouco. – disse
Salvador.
- Não tens nada na mochila?
- Sim, mas quero outra coisa. Fica aí,
Miguel.
Salvador saiu rapidamente do cemitério. Ia
apressado, como quem vai atrasado para algo.
Susana e Miguel ficaram sozinhos a olhar
para a foto de Martim.
No meio do silêncio, o irmão de Salvador
reagiu. Aquele era o momento perfeito para a
sua mente dizer: ‘Ela vai ajudar-te!’. O seu
coração estava murcho, por isso não teve
outra solução senão falar.
- Susana... Eu estou muito triste.
- Ai sim? Porquê? Não querias ter vindo?
- Não. Eu fui obrigado a vir. O meu irmão
obrigou-me.
- O Salvador obrigou-te a vir?
- Sim. Eu tive de pôr as minhas roupas na
mochila e vir.
- Roupas?! Não é o vosso lanche?
- Não. Nós não vemos a minha mãe há
alguns dias...
Susana ficou completamente estarrecida.
Virou-se num ápice e pediu que Miguel lhe
contasse tudo o que havia para contar.
- O meu pai tentou matar a minha mãe
com uma faca. Ela disse ao meu irmão que
teve de fugir para não morrer e disse-lhe
também que seria melhor se fossemos para
onde ela está.
- E onde é que ela está? Ela está bem?
Susana começava a ficar de tal forma
nervosa que já não sabia ao certo onde
estava.
- Não sei onde está, porque o Salvador
não me disse. Tenho medo que ela morra,
Susana.
Miguel soltou um abraço terno e cheio de
emoção. Tremia como se o frio rondasse o
cemitério. Foi abraçado que viu que Salvador
se aproximava numa correria tremenda,
desnorteado e sem alento.
- O que tens, mano? – gritou Miguel.
- Anda! Temos de ir.
Susana teve de intervir. Agora era ela
quem estava no meio de uma situação insólita.
Quem é que vai comprar algo para comer e
volta daquela forma?
- Salvador, explica-me o que se passa.
Onde vão? O que é que se passou?
- Volta para casa, mas tem cuidado. Nós
temos mesmo de ir.
- Ir onde?
Ele não a ouvia mais.
- Ele voltou, Miguel!
E foi assim que os dois irmãos se puseram a
correr cemitério fora. Susana ia-os perdendo
de vista, a cada passo que davam. Ficou ela
com o seu filho, mas preocupada com o que
Miguel lhe tinha contado. Entretanto, ia
falando sozinha:
- Acho que o pai deles nos seguiu. Aquela
família tem muito azar. Ninguém morre, mas
têm o coração aos pedaços.
- Desculpe, menina... Viu os dois rapazes
que a acompanharam?
- Você é o pai deles?
- Sou sim, mas isso não tem importância.
- Não tem importância? O que tem
importância é tentar matar a sua esposa e
obrigá-la a fugir? O que tem verdadeiramente
importância é segui-los e imputar-lhes medo?
Eu vou ser sincera consigo: ou você os deixa
em paz, ou eu vou mesmo ter de agir.
- Quantos anos tens?
- Que pergunta sem sentido! Ouviu bem o
que lhe disse?
- Ouve... não é uma miúda de dezanove ou
vinte anos que me vai dar lições de vida. Sabes
o que quer dizer «vida»? Eu sei. Vida é o facto
de termos de lutar por nós próprios, pelo
nosso bem-estar.
- Está enganado. A vida é você... e eu sou
vida. Você não é mais importante do que
qualquer outra pessoa que a viva. Aliás, você
está uns patamares abaixo, porque é rude e
não muito perspicaz. Você vai viver o inferno
que criou. Você vai saber o que a vida é. Um
dia, você vai arrepender-se.
Nem Susana nem Rui, o pai de Salvador,
sabiam a razão de estarem naquele lugar
sinistro a falar da vida. Estavam rodeados pela
morte. Aliás, eles estavam cercados por ela.
Rapidamente, Rui virou costas e foi atrás
dos filhos. Susana decidiu não o perseguir. Já o
tinha impedido de ir por uns bons minutos.

continua…

Leia ou Releia

Parte 1 e Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

Parte 6

Parte 7

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